Desde os anos de 1970, várias empresas do
mercado imobiliário de Niterói tem promovido uma ocupação urbana caótica na
Região Oceânica, devidamente licenciadas pela Prefeitura de Niterói. Rios foram
destruídos, tornando-se valas concretadas; a planície foi inteiramente
impermeabilizada por ruas, calçadas e casas, inundando frequentemente em vários
locais; encostas foram ocupadas; toneladas de esgoto são lançados nos rios e
lagoas, e as lagoas de Piratininga e Itaipu foram ligadas de forma permanente
com o mar através do canal de Itaipu, obra realizada em 1979 e em seguida
abandonada e deixada para o Poder Público manter.
Além de reduzir drasticamente a superfície
das lagoas, a conexão perene com o mar impediu que as lagoas enchessem como
ocorreu sazonalmente por mais de 2,3 mil anos. Com isso, uma parte dos terrenos
que eram o fundo das lagoas quando cheias, basicamente brejos, receberem uma
fina camada de areia e barro e foram em seguida loteados, vendidos e ocupados
sem quaisquer obras de drenagem.
Lucros significativos foram obtidos com a
comercialização dos lotes, deixando ao cidadão niteroiense a responsabilidade
de pagar pelas obras de drenagem. Apenas no Bairro Santo Antônio, erguido sobre
o antigo leito sazonal da Lagoa de Piratininga, o gasto será de R$ 80 milhões.
A pretendida retirada de áreas do Parque
Estadual da Serra da Tiririca para construção de empreendimentos no entorno da
Lagoa de Itaipu e na frente marítima de Camboinhas não é um ato isolado. Ele é
a continuidade do Plano Estrutural de Itaipu, do Grupo Veplan Residência.
As empresas alegam que o INEA e a Prefeitura
devem indenizá-las caso suas supostas propriedade sejam reincorporados ao
Parque Estadual da Serra da Tiririca. Na verdade, é a população de Niterói que
precisa ser indenizada pelos danos ambientais e prejuízos econômicos causados
pelo Plano Estrutural de Itaipu.
O Plano Estrutural de Itaipu é o ápice da
degradação. Alguns anos antes, empresas haviam loteado o fundo da Lagoa de
Piratininga, naquilo que ficou conhecido como “lotes subaquáticos”, aplicando
um golpe em dezenas de pessoas que compraram terrenos dentro d’água. E, o que é
mais triste nesta história, sempre tendo a Prefeitura de Niterói como fiel
aliado.
A proteção das áreas no entorno da lagoa de
Itaipu, da Frente Marítima e da Duna Grande dada pelo Parque Estadual da Serra
da Tiririca é parte da indenização exigida pela sociedade. O Parque põe fim
a décadas de destruição, golpes e espertezas e ao capitalismo de
compadrio.
O Plano
Estrutural de Itaipu
Em abril de 1943, a Companhia Territorial de
Itaipu adquiriu as terras da Fazenda Itaipu de D. Candida de Souza Guimarães e
projetou o loteamento Cidade Balneária de Itaipu. Naquela época, foi
publicada uma nota na edição dominical do Diário Carioca, uma nota sob o título
“Em Litigio as Terras da Fazenda Itaipu” questionando a validade dos títulos. Em
resposta, a Companhia Territorial de Itaipu publicou a seguinte nota no Jornal
O Globo de 12 de setembro de 1944.
O
loteamento Cidade Balneária de Itaipu, projetado pelo engenheiro Saboia
Ribeiro, foi aprovado pela Prefeitura de Niterói em 1945 sem qualquer
atendimento as disposições do Código de Águas no tocante as áreas úmidas da
lagoa e as margens dos rios, bem como as estabelecidas no Código Florestal,
ambos vigentes desde 1934 (Decreto nº 24.643 e Decreto nº 23.793). O Código
Florestal de 1934 determinava
que nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderia abater mais de ¾ da
vegetação existente.
Em
julho de 1973, o Grupo
Veplan Residência adquiriu a Companhia Territorial de Itaipu, com denominação alterada
em 1974 para Companhia de Desenvolvimento de Turismo e Territorial de Itaipu. A
Companhia Territorial de Itaipu detinha lotes e áreas não loteadas remanescentes
do antigo loteamento denominado Cidade Balneária de Itaipu,
Em
maio de 1975, a Veplan contratou empresa de arquitetura para projetar o novo
empreendimento visando substituir o loteamento Cidade Balneária de Itaipu, conforme anuncio abaixo publicado no Jornal do Brasil.
O novo empreendimento,
desenvolvido pelo escritório Harry J. Cole & Associados, foi denominado Plano Estrutural de
Itaipu, sendo aprovado pela Prefeitura
em 31 de janeiro de 1977, curiosamente no ultimo dia do mandato do Prefeito nomeado Ronaldo Fabrício (1975-1977), que foi sucedido por Moreira Franco (1977-1982).
Além
de centenas de lotes na parte plana de Camboinhas e nos entornos da Praia do
Sossego, o Plano Estrutural de Itaipu previa duas áreas para construção de hotéis,
duas para centros de compras e nove para implantação de escolas. O Plano previu
ainda construir uma marina residencial na área úmida a oeste da lagoa de Itaipu,
formada por 28 ilhas circulares de 18 a 22 mil metros quadrados com 23 lotes de
600 metros quadrados cada uma contendo no total 20 km de cais e vagas para 700
barcos, bem como um canal ligando a lagoa de Itaipu ao mar para permitir o
transito dos barcos.
Segundo matéria do Jornal do Brasil “Bairros típicos de marina com quadras circulares (ilhas artificiais) substituirão o pântano, que será dragado”, (Jornal do Brasil, 05/12/1976 página 34, - “Camboinhas espera por 50 mil pessoas”). A matéria demonstra de forma cabal que a área a oeste da laguna era inundada, constituindo o antigo leito sazonal, sendo chamada literalmente de “pântano” por Raimundo de Paula Soares, um dos diretores da empresa construtora em 1976.
Naquela época a sociedade reagiu e, em 1978,
sob a liderança de Marcello de Ipanema,
iniciou-se uma campanha contra o Plano Estrutural de Itaipu. Marcello era professor de história e foi um pioneiro na defesa do meio ambiente. Sem
apoio da mídia e ainda sem a mesma compreensão que o público tem hoje da
questão ambiental, não hesitava em se lançar corajosamente a frente dos
tratores para impedir o avanço da destruição. Foi o que ele fez na época em
Itaipu. De uma luta quase solitária, iniciada por volta de 1975, Marcello foi
reunindo seguidores, e levou a VEPLAN à Justiça e, como fez Chico Mendes no
Acre, nos "empates" contra os desmatadores da Amazônia, partiu para
enfrentar os tratores que destruíam os sambaquis de Camboinhas.
A mobilização da sociedade fez com que a
FEEMA exigisse o primeiro estudo de impacto ambiental do Brasil, publicado em
1979 com o nome de "Relatório de Influência sobre o Meio Ambiente do
Projeto Estrutural de Itaipu".
Em 23 de dezembro de 1982, no Governo Chagas Freitas (MDB), foi assinado um Termo de Permuta firmando entre
o Estado do Rio de Janeiro, representado pelo Diretor do Departamento
Imobiliário do Estado do Rio de Janeiro da Secretaria de Estado de Justiça e a
ITAIPU Cia de Desenvolvimento Territorial aparentemente sem autorização da
Assembleia Legislativa. O Termo permitiu a troca de terras publicas do Estado por
terras privadas da empresa.
O empreendimento não foi totalmente
implantado. Grande parte da estrutura da marina afundou no brejo e foi
abandonada. O projeto foi modificado e sem qualquer licença do órgão ambiental estadual
foi transformado no atual projeto, constante na Lei Municipal nº 1.968/2002 - Plano Urbanístico da Região Oceânica, que permite a construção de dezenas de edifícios
nas áreas úmidas do entorno oeste da lagoa de Itaipu. Por esta lei, o entorno da lagoa é completamente loteado, inclusive as terras dadas pela VEPLAN ao Estado na transa'cão da permuta.
Em 15 de fevereiro de 2017, a Veplan foi condenada pelo Tribunal de Justiça por vender terras públicas em Camboinhas. Clique aqui para ver a sentença.
Em 15 de fevereiro de 2017, a Veplan foi condenada pelo Tribunal de Justiça por vender terras públicas em Camboinhas. Clique aqui para ver a sentença.
Impactos
Ambientais e Prejuízos Econômicos do Plano Estrutural de Itaipu
O
Plano Estrutural de Itaipu da VEPLAN é o empreendimento que mais impactos
ambientais causou na história de Niterói.
Principais
impactos
Perguntas sem resposta
· Ligação
permanente da lagoa de Itaipu ao mar através do canal de Itaipu, acarretando o
esvaziamento da superfície das lagoas de Piratininga e Itaipu ao mínimo,
liberando áreas que constituíam o leito sazonal das lagoas (terras públicas),
para serem loteadas e comercializadas;
· Transformação
da Lagoa de Itaipu em uma enseada marinha;
· Aterramento
de imensa superfície de brejo no entorno da lagoa de Itaipu, com material
dragado do fundo da lagoa;
· Rebaixamento
generalizado do lençol freático em toda a bacia, acarretando sérias modificações
no fluxo e na morfologia dos canais dos rios afluentes as lagunas de Piratininga
e Itaipu;
· Extermínio
quase que completo da vegetação de restinga de Camboinhas, erradicando milhares
de árvores, arbustos e ervas nativas, além da fauna associada, atropelando os Códigos Florestais vigente em 1934 e 1965;
·
Destruição
do sítio arqueológico Camboinhas e da Duna Pequena;
·
Expulsão
de 18 famílias de pescadores sem qualquer indenização;
·
Mais
de R$ 200 milhões de prejuízos estimados devido a falta de obras de drenagem
nos bairros erguidos em terrenos que eram o leito das lagoas de Piratininga e
Itaipu quando cheias, em loteamento de quinta categoria;
Perguntas sem resposta
· Quem
pagará as indenizações pelos danos ambientais que aconteceram, acontecem e
virão acontecer?
·
Quem
pagará a indenização pela recuperação das lagoas de Itaipu e de Piratininga?
·
Quem
pagará a indenização pela destruição das dunas e sítios arqueológicos?
·
Quem
pagará a indenização das 18 famílias de pescadores que foram expulsas?
·
Quem
pagará pelas obras de drenagem nos novos empreendimentos;
· Quem
pagará o conserto das ruas, calçadas e estacionamento quando elas começarem a
afundar, como ocorreu em situação semelhante no Parque Olímpico na Barra da
Tijuca?
· Quem
pagará o conserto de rachaduras e os danos causados pela umidade nos
apartamentos e casas?
· Quem
pagará os futuros prejuízos materiais causadas pelas enchentes, devido a perda
das áreas de infiltração e amortecimento no entorno da lagoa de Itaipu?
Termo de Permuta de 1982
No dia 23 de dezembro de 1982, as vésperas do encerramento do governo
Chagas Freitas, foi publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro,
TERMO DE PERMUTA entre o Estado do Rio de Janeiro, representado pelo Diretor do
Departamento Imobiliário do Estado do Rio de Janeiro da Secretaria de Estado de
Justiça e a ITAIPU Cia de Desenvolvimento Territorial. O termo trata de permuta
de imóveis, não mencionando qualquer lei autorizativa como é normal neste tipo
de transação, mas apenas o Processo E12-4435/80 em que o Governador autoriza o
ato.
Fatos a destacar:
Cláusula 1 - A ITAIPU Cia de
Desenvolvimento Territorial transfere um terreno ao Estado próximo ao canal do
rio da Vala, com 114.786 m2 (11,4 ha).
Cláusula 3 – A dragagem da lagoa executada pela empresa foi unicamente
de um canal de acesso as embarcações de sua marina e não um desassoreamento da
lagoa para melhoria ambiental;.
Cláusula 5 – A ITAIPU jamais fez
a manutenção dos molhes;
Cláusula 7 – O Governo do Estado cede uma área de 146.441 m2
(14,6 ha) a VEPLAN, situada ao sul do canal de Camboatá.
A primeira vista não se observa qualquer vantagem para o Estado, pois
não houve melhoria para a lagoa. A dragagem e os molhes foram para permitir o
acesso dos barcos à marina do empreendimento e não para recuperar a lagoa. E,
decorridos 38 anos, aventa-se a possibilidade de que o terreno doado ao Estado
mencionado na Clausula 1 tenha sido loteado, pois todas as terras situadas no
contorno norte da lagoa apresenta parcelamento aprovado na PMN. Caso este fato
tenha ocorrido, recomenda-se a anulação do termo e o retorno do imóvel
mencionado na Cláusula 7 ao patrimônio do Estado. É preciso esclarecer também sobre a validade
da permuta imobiliária, posto que ele foi feita sem autorização de lei aprovada
pela ALERJ.
Belíssimo levantamento do histórico da questão da lagoa de Itaipu, ligada à de Piratininga, também afetada pelo projeto irresponsável da Veplan, devido a ligação dela à de Itaipu, pelo canal de Camboatá. Importante frisar que Moreira Franco, prefeito de Niterói, nunca moveu uma palha para evitar toda essa destruição. Um crime que não foi citado, além da expulsão dos pescadores/posseiros que viviam nas dunas de Camboinhas (destruídas em dias por tratores, apesar de tombadas pelo IPHAN), foi que a praia foi cercada com arame farpado - como mostra uma das fotos, para impedir o acesso dos moradores de Niterói a ela.
ResponderExcluirUma pena o projeto não ter ido a frente. Teríamos hoje uma indústria náutica bem desenvolvida com diversas oficinas de barcos, empresas de design de embarcações, mecânicos e engenheiros navais, arquitetos de embarcações, hotéis de alto padrão, turismo, lazer e muitos outros serviços que possibilitariam melhora na qualidade de vida e crescimento de toda a população de Niterói e do estado do RJ.
ResponderExcluirEscolheram por nós e pelo futuro dos nossos filhos sermos eternos pescadores artesanais de camarão.